A garantia mais tradicional do mercado de locação foi sacudida por uma decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. Como o mercado vai reagir? 

Insegurança jurídica, rasteira na Lei do Inquilinato, má interpretação da letra da Lei, talvez um caso isolado? Muito tem se discutido sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que impediu que o bem de família de um fiador fosse alienado para a satisfação de uma dívida em uma locação comercial. A decisão, que demorou 16 anos para sair, espantou o mercado e fez muitos voltarem ao modo de pensar do início dos anos 90, época de insegurança política, jurídica e econômica, em que chegavam a pedir duas escrituras para quem quisesse ser um fiador. Era preciso pôr ordem. “Em 1991, a Lei do Inquilinato trouxe a disposição de que não vale a proteção ao bem de família nos casos de fiança e o mercado pôde funcionar durante todos esses anos. Até hoje, 50% das locações são garantidos desta forma. Em 28 anos não houve interesse em mudar essa disposição pelo seu caminho natural, o Legislativo, mas o judiciário, por um escorregão, desrespeitou a vontade da sociedade, feriu uma disposição legal, quebrou a isonomia ao diferenciar locações comerciais de residenciais e ainda trouxe um péssimo precedente, pois este tipo de fato se propaga enormemente, uma vez que já voltaram a falar sobre a necessidade de se ter duas escrituras para ser fiador”, explica o advogado Jaques Buschatsky, especialista em Direito Imobiliário. 

A lei ainda vale? 

Segundo Buschatsky, sempre que se quebra a isonomia, ou a igualdade na Lei, se cria um ambiente de desconfiança e temor na sua validade. “Se a Lei é igual para uma casa, apartamento, estúdio, indústria e creche, porque neste caso deveria ser diferente?”, pergunta ele. O jurista é ponderado ao afirmar que não acredita no cataclisma da Lei do Inquilinato por conta da decisão. “É dificílimo saber o que acontecerá nos próximos julgamentos, mas acredito na Lei e na nossa Constituição. Nossa cultura, do Direito Positivo, diz que o que vale é a Lei. Se quiserem transformar o bem de família em impenhorável, devem solicitar aos parlamentares a mudança. Até lá, é penhorável, sim. É o nosso Direito Positivo valendo. O problema é quando um tribunal superior diz que não é e milhares de senhores e senhoras que têm apenas um imóvel alugado vão às imobiliárias perguntar se a fiança ainda vale. Com eles que me preocupo. Os grandes sabem se virar”, explica.”, opina.  

Especialistas em garantia imobiliária, a Unioncorp Corretora de Seguros atenta para o fato de que a figura do fiador não é infalível por uma série de fatores além desta decisão do STF. “Em primeiro lugar, no prazo mínimo de um contrato de locação, que é de quase três anos, o locador pode se tornar insolvente, dispor dos bens que lhe tornavam apto a garantia, perder emprego ou até falecer. É papel das imobiliárias ficar atentas à saúde dos seus contratos, mas infelizmente não é o que costumamos ver no mercado”, comenta Sérgio Gamba Jr, diretor da empresa.

Como o mercado está reagindo? 

O epicentro do terremoto da decisão foi o mercado de locações comerciais. No entanto, Representantes de imobiliárias deste mercado contam que estão com os olhos mais abertos, porém, ainda não mostram um sinal vermelho para os fiadores. “Meu perfil de locação é acima dos R$ 5 mil. É claro que é um cenário que nos preocupa um pouco, já olhamos de forma diferente para o fiador, mas não inviabilizamos uma locação por conta disso. Enxergamos que o importante é fazer uma boa análise. Em 25 anos que tenho de experiência, 14 anos com a Neo4, só cheguei de fato à penhora de bens de um fiador apenas uma vez, mas isso se deve à escolha criteriosa de perfil do locatário e do fiador”, afirma Pedro Antacli, diretor Geral da Neo4 Consultoria Imobiliária, especializada em locações comerciais. Segundo ele, apesar de não terem fechado as portas para os fiadores, além de uma consulta minuciosa à sua capacidade de pagamento, essa garantia só é escolhida em último caso. “O fiador nunca é a primeira opção. A preferência é sempre do Seguro Fiança e do Título de Capitalização. Essa orientação já existia com a minha equipe, mas agora obviamente reforçamos dentro deste cenário novo”, afirma o executivo. 

Mauricio Cavalheire, consultor de locações imobiliárias para corporate – locações de lajes com mais de 100m², também acredita que o fiador continuará como uma opção para locações menores, pela sua viabilidade, mas sustenta que o mercado sempre quer se sentir mais seguro em contratos maiores. “Quanto maior o imóvel, mais restrita a garantia. Em imóveis menores, ainda será normal utilizarem o fiador, mas no caso das lajes a tradição ainda é utilizarem outras garantias como a fiança bancária em bancos de primeira linha, o seguro fiança ou até mesmo o título de capitalização. Em muitos casos, até há a opção de utilizar um imóvel como caução”, explica ele.