“Ninguém estava preparado para 2020”. Assim começa o balanço deste ano por Maria Cristina Caldeira, CEO e diretora da Unioncorp, corretora especializada em garantias imobiliárias. A pandemia da COVID-19, que desembarcou no Brasil em março, mexeu – e ainda mexe – com nosso modo de viver, nos relacionar, trabalhar e, claro, morar. Para o mercado de locação e de garantias imobiliárias não foi diferente.

Na esteira de eventos provocados pelo novo coronavírus, o segundo trimestre teve alta de inadimplência e entrega de chaves, impactando também o desempenho do seguro fiança. Com o distanciamento social, a maneira tradicional de as imobiliárias se relacionarem com os clientes também mudou radicalmente e mesmo as mais conservadoras não puderam fugir de incorporar novas tecnologias aos seus processos internos.

Como tem feito nos últimos anos, a Unioncorp investiu em informação. Realizou eventos online e estimulou o segmento a analisar o cenário e buscar soluções. Medidas emergenciais, como o parcelamento de aluguéis, deram fôlego para inquilinos manterem seus contratos de locação e têm potencial de se tornarem importantes produtos permanentes no mercado.

Embora os efeitos negativos observados no início de 2020 tenham ficado para trás e indicadores tenham encontrado estabilidade a partir de outubro, o segmento está longe de navegar em águas calmas. Pela ótica da Unioncorp, a sombra da crise sanitária ainda deve influenciar os negócios durante todo o próximo ano e tentar enxergar as suas consequências em longo prazo será um exercício constante.

O próximo ciclo promete grandes desafios. Como contorná-los dependerá de um esforço conjunto das imobiliárias, seguradoras e, inclusive, da própria corretora para encontrar o melhor caminho de crescimento por meio da constante inovação.

Quarentena quebra contratos e mostra importância de corretores especializados em fiança

Os 8,9 milhões de empregos perdidos por consequência direta do novo coronavírus criaram um efeito cascata em toda a economia, impactando diretamente o mercado de locação e de garantias com a inadimplência. “No início de abril percebemos um forte movimento de abertura de sinistros no seguro fiança por conta da inadimplência. O impacto foi grande principalmente em locações comerciais, com muitas empresas fechando, sem renda e buscando formas de negociar. Este cenário com certeza impactou forte as seguradoras, que pagaram indenizações significativas no período, mas não a ponto de fecharem o ano com prejuízo”, conta Cristina.

Nessa época, mesmo com as limitações do trabalho à distância por conta da quarentena, a expertise da Unioncorp com o seguro fiança foi fundamental para operacionalizar administrativamente todos os sinistros junto às seguradoras. O objetivo era que os locadores fossem indenizados com a máxima agilidade e não perdessem uma renda importante justamente em um momento de grande crise sanitária e incertezas na economia.

Além disso, como importante incentivadora para evolução do mercado, a Unioncorp realizou uma série de eventos online – em formato de webinar – durante a fase mais áspera da pandemia, com o objetivo de auxiliar o mercado a buscar soluções em um ano tão conturbado. Os eventos se basearam em trocas de experiências e olhares de personalidades experientes no setor, servindo como um farol no cenário turbulento. Segundo Cristina foi importante realizar esses eventos, pois, em um contexto de crise, imobiliárias ainda resistentes a evoluir também ficaram mais abertas à possibilidade de adotar novos recursos tecnológicos e práticas de mercado. “O mercado de locação é tradicional, difícil de implementar novas culturas e isso abriu os olhos das startups, que chegaram com modelos disruptivos. Há alguns anos já falamos sobre a necessidade de as imobiliárias investirem em processos mais eficientes e menos burocráticos, além de ferramentas para ajudar na experiência do inquilino, como criar uma boa vitrine dos imóveis, para que ele tenha suas expectativas atendidas na hora de escolher. Muitas se movimentaram, adotando principalmente tour virtual, vídeos e assinatura digital. São ações importantes que finalmente vêm para ficar”, destaca.

A partir daí, o mercado de garantias teve um efeito duplo: de um lado, aumento na procura pelo seguro fiança, fruto do receio dos locadores de ficarem sem renda. Porém, do outro, o acesso ao seguro fiança ficou mais difícil por parte das seguradoras, que naquele momento endureceu as análises de perfil, conforme conta a CEO. “Tínhamos muita demanda, mas muitos não conseguiam aprovação, exatamente por conta do risco mais alto de inadimplência. Percebemos uma melhora a partir de outubro, quando o cenário se estabilizou”, lembra. O resultado da mistura de inquilinos ansiosos para alugar rápido e perfis rejeitados pela seguradora foi o avanço de garantias mais frágeis, contrastando, porém, com a recente euforia do mercado, que se baseou em números da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) para comemorar que o mercado de fiança locatícia cresceu, tomando como base o aumento de cerca de 70% nos prêmios pagos em 2020 em relação ao ano passado.

No entanto, explica a executiva, o dado não representa um crescimento dos negócios, mas apenas um fator de conjuntura do mercado. “Este aumento nos prêmios está relacionado à própria determinação da SUSEP de que o seguro deveria acompanhar o prazo do contrato de locação. Antes, havia flexibilidade para contratar anualmente. O efeito dessa mudança é os prêmios naturalmente aumentarem em primeiro momento, porque uma locação que antes tinha o seguro contratado por 12 meses, agora precisa acompanhar o prazo do contrato. Atribuo a isso porque enxergamos este fenômeno na nossa carteira. Nossos prêmios aumentaram significativamente, mas em números de negócio chegaremos a um crescimento de no máximo 10% neste ano”, conta.

O lado positivo é que, segundo a Unioncorp, desde outubro o mercado encontrou estabilidade e houve (e continuará) um esforço positivo das seguradoras para mostrar as qualidades do seguro fiança, algo importante para o cenário tempestuoso que não se dissipará rapidamente em 2021. “Há uma onda de insegurança a qualquer outra garantia que não seja efetiva, então projetamos que as seguradoras adotarão estratégias para o momento favorável ao seguro fiança. Elas precisam olhar para o mercado com carinho, enxergar o potencial e investir em outras formas de contratação.

“O momento é de negociar para evitar entregas de chaves”

Para a CEO, o ano que se inicia não está ainda 100% claro no horizonte. “É difícil ter uma visão de longo prazo no contexto atual. Ultimamente a gente não consegue prever com segurança nem o que acontecerá no final da tarde, como pensar no ano inteiro?”, descontrai a diretora, que prefere falar em expectativas. “Primeiro trimestre tradicionalmente é um período ativo para as locações, pois muitos aproveitam as férias escolares para mudar. Em 2020 percebemos também um movimento forte de pessoas desocupando imóveis ou procurando opções que se adequem melhor aos seus orçamentos. Acreditamos que haverá bastante movimentação neste período e há nomes experientes do mercado pintando cenários positivos para o segmento em 2021, mas é difícil analisar muito a frente”, pondera.

Outro fator que pode tracionar a tendência de mais entregas de chaves no próximo ano é o possível aumento expressivo dos aluguéis. Nos últimos 12 meses, o IGP-M – índice que regula os reajustes – disparou 24,52%. Quando colocado ainda dentro do contexto atual de crise econômica, um aumento vultuoso e imediato amplia ainda mais possibilidade de desocupação dos imóveis na virada para 2021. Neste sentido, a opinião da diretora é de que o único caminho é negociar. “É necessário um movimento de repactuação no mercado e de ter objetividade. Algumas imobiliárias estão dando um desconto por curtos períodos para ver como as coisas se ajeitam, mas na minha visão isso é só postergar a situação e dar ao inquilino a chance de encontrar outro imóvel. É preciso encontrar um meio termo. Hoje, dificilmente alguém aceitará um aumento de quase 25% sobre o aluguel. Não acho que o IPCA a 4% também seja a saída, mas é necessário que as imobiliárias negociem e evitem a entrega das chaves, especialmente neste momento. Tem imobiliárias por aí com mais entrega de imóvel do que fechamentos de novas locações, isso impacta diretamente nas contas”, afirma.

Relacionamento de mãos dadas com a evolução digital

Sobre os novos modelos de negócio, a executiva acredita que as startups despertaram um potencial imenso, mas que o mercado tende a se ajustar no meio do caminho. “Não creio que as negociações sem relação pessoal funcionem neste mercado de forma permanente. Pessoas, relacionamento e expertise dos profissionais são importantes. É claro que principalmente as imobiliárias mais tradicionais terão que melhorar suas presenças digitais e isso fará a diferença. Porém, não acredito em um modelo totalmente digital ou baseado só de relacionamento, como era antigamente. Os dois modelos de negócio andarão de mãos dadas. Apesar das incertezas, temos certeza que o mercado de locação e de garantias sempre teve resiliência para tempos difíceis, dinamismo para procurar soluções e, principal, apetite para fechar bons negócios. Temos certeza que veremos todas essas características em 2021”, finaliza Cristina.